'o brasil é uma república cheia de árvorese de gente dizendo adeus' [oswald de andrade]O Jardim Botânico é um bairro com mais árvores do que moradores – e esta é uma idéia que nunca me incomodou, dado que os vegetais raramente reclamam, cometem gafes ou fazem perguntas inoportunas.
Morar aqui é insuficiente para caracterizar tipo sociológico, como acontece a tijucanos e emergentes da Barra. Mas não mergulhemos numa crise de indentidade: apesar dos avanços os ônibus e da especulação imobiliária, ainda é possível enxergar alguns traços que nos unem.
Nos domingos de sol, por exemplo, quando se formam pequenos aglomerados sob os sinais na margem direita da Jardim Botânico. Gente muito branca à espera da luz verde para atravessar a rua, acertar o passo e apostar corrida com triciclos alugados à beira da Lagoa.
Outra maçonaria dominical, esta mais discreta, reúne-se nos bares com varanda (até alguns meses eu escreveria apenas “Jóia”, mas agora há o Belmonte), nas bancas de jornal e nas padarias do bairro.
A este velho batucador de teclado, o hábito de tomar café na padaria remonta a manhãs azuladas na Imperial, esquina da Real Grandeza com a Voluntários, quando a hora ainda permitia a entrada na segunda aula. Mas isso foi no século passado. Ficou para trás, como almoçar pastel chinês, alugar filme no Cavideo e voltar a pé pra casa.
No balcão da Vitória Régia, tomo café-com-leite e leio a Folha de S.Paulo, onde o Ferreira Gullar prega a despetização do Lula e o Marco Aurélio Mello, aquele que soltou o Cacciola, diz que o lugar da loura Suzane é na rua mesmo. Diferentemente do Grobo, o jornalão paulista me toma mais do que 10 minutos entre mordidas no sanduíche de presunto - aquele que o Chaves devorava com groselha.
À direita, uma menina de 4 ou 5 anos, maria-chiquinhas e jaqueta rosa, abraça três latas de refrigerante: “A mamãe ama vocês, vai levar vocês pra casa”. E pede ao avô magrinho, de camiseta azul de domingo, uma sacola para transportar a cria.
A banca na esquina da Lopes Quintas tem uma jornaleira bonita e isso não é praxe nessa sorte de estabelecimento. A descoberta encoraja um impulso consumista: lá se vão onze reais e cinqüenta, cada vez menos reais na carteira, em troca de uma revista com figuras bonitas.
Ontem teve quentão e quermesse de interior a poucos metros daqui e hoje vejo que estou melhorando, pois só levei três lances de escada para me lembrar dos óculos, antes de chegar ao portão da rua. O único erro do dia, eu o notei no balcão da padaria: tinha levado o celular no bolso. Felizmente, ninguém ligou.