dois perdidos numa noite suja

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Calma, chuchu



Hoje fugi de vereadores, secretários, promotores e assessoras de imprensa para conversar com o Fausto Fawcett no Cervantes. Patrono de uma dinastia de louras, ele conhece seu talento de frasista e faz pausas estratégicas para que o repórter tenha tempo de anotar a próxima pérola. E não tem jeito: o que diz é tão engraçado que não há como omitir no papel. O mote é a peça Cidade Vampira, cuja heroína é inspirada em ninguém menos que Suzane von Richthofen. Separamos alguns trechos só para você, jovem leitora do insonia. Veja só:

***

Sobre os jovens:
- A juventude acabou. Nos anos 50, achavam que tudo estava na mão dos jovens, e eles se mostraram seres humanos como todos os outros: imbecis.

Sobre Freud e a psicanálise:
- São os sobrinhos do patológico: Euzinho, eguinho e selfzinho.

Sobre o repórter policial da peça:
- Ele segue o lema dos Humanistas Anônimos: "Há 2.254 dias deixei de desejar um mundo melhor".

Sobre a democracia:
- É um garoto jogando bolinha no sinal. Uma bolinha é a anarquia da favela, a outra é a tirania das máfias. Uma passando a mão na bunda da outra.

Sobre o Hamlet dos nossos dias:
- O Hamlet contemporâneo não segura mais a caveirinha. Fica com um celular averiguando a quantas andam os seus sentimentos: 10% amor, 90% ódio dos pais.

Ainda sobre Hamlet, e sobre a vida:
- Ser ou não ser virou privilégio dos travestis.

Sobre a vida, de novo:
- Depois dos 40, quem ainda fica com papo juvenil tem que sacar o FGTE, o Fundo de Garantia por Tempo de Existência.

Ainda sobre a vida, agora aos 50 anos:
- Augusto dos Anjos que me perdoe, mas meu poeta favorito agora é Sérgio Franco. O laboratório.

E a moral da história:
- Você está nervosa porque o sociopata se tornou o herói contemporâneo? Calma, chuchu.

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Agora, viva o YouTube, aproveite para ouvir Básico instinto com uma quase escandinava Paula Toller e um ainda jovem Fausto Fawcett, direto de algum lugar dos anos 80.

Reencontro



Não quero
cadeira numerada

Vou sentar na arquibancada
pra sentir mais emoção

MENGO!

domingo, janeiro 21, 2007

Cultura inútil



Fanqueiro
[De fanca + -eiro.]
S. m.
1. Negociante de fazendas de algodão, linho, lã, etc.


Dicionário Aurélio Eletrônico - Século XXI

sábado, janeiro 13, 2007

Quer um conselho?



Na falta de notícias palpitantes, uma homenagem tardia do insonia ao poeta Rogério Skylab. Aumenta o som e aperta o play.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Nuvens suburbanas sob o sol de Ipanema



Esta matéria é do Joaquim Ferreira dos Santos e foi publicada na capa do Caderno B de 4 de novembro (boa data) de 1984. Um mês antes, o governo Brizola havia criado a linha 461, a primeira a cruzar o Túnel Rebouças.

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Ipanema, essa senhora cada vez mais gorda e poluída, reclama de novas estrias e dentes cariados em seu corpanzil: agora é culpa dos ônibus Padron, a linha 461 que, há um mês, está trazendo suburbanos para seu "paraíso", numa viagem de apenas 20 minutos, via Rebouças. É o que dizem seus moradores, inconformados. Ouçam só:

- Que gente feia, hein?! (Ronald Mocdes, artista plástico, morador da Garcia D`Ávila, bem em frente ao ponto do ônibus).

- No outro dia eu saí da loja com um vestido comprido, alinhado, e você precisava ver o que aconteceu. Me chamavam de urubu, um horror. (Débora Palmério Fraga, gerente da Gregorio Faganello).


- É chocante dizer, mas eles estão desacostumados (*) com os costumes do bairro. Nem vou mais à praia aqui. É farofeiro para tudo quanto é lado, olhando a gente de um modo estranho. Ficam passando aquele bronzeador. A sensação é de que eles estão invadindo o nosso espaço. (Maria Luiza Nunes dos Santos, ex-freqüentadora da praia da Garcia D`Ávila e que agora só vai ao Pepino).


- Desse jeito o verão vai ser um faroeste. (César Santos Silva, proprietário da lanchonete Chaika, na Visconde de Pirajá).


Os comerciantes estão se organizando e já despacharam diversos abaixos-assinados aos gabinetes de Leonel Brizola, de Jaime Lerner (o secretário que inventou a linha de ônibus), ao Detran, a todos que eles julgam com poderes para erradicar o mal. Reclamam também do inferno que se formou no trânsito. Ouçam mais:


- Depois das 17 horas a minha vitrine fica escondida atrás de uma fila enorme de passageiros. É claro que as clientes ficam bem inibidas de atravessar no meio daquela gente toda. (Doris Serfaty, da butique Carla Roberto, na Rua Vinicius de Moraes. Ela está lançando a moda que deixa o sutiã à mostra).


- A rua é muito apertada e, quando o ônibus pára, interrompe o tráfego no bairro inteiro. Só dá ele na rua. Fica uma buzinação de louco. Além disso ele é muito pesado, e o asfalto está cedendo. Tem que botar ele para fora da área do comércio. (Luli Beviláqua, da loja Luli R).


***

Há muito tempo que Luli não freqüenta a praia de Ipanema, preferindo as delícias mais calmas e limpas da Barra da Tijuca. Mas, definitivamente, já não há qualquer gueto de sofisticação sobre nossas areias, lamenta. Pois até a Barra está sendo cortada por outra linha da Padron, diretamente de Madureira. Na praia de domingo passado, Luli já sentiu a diferença.

- A praia mudou de cor. Eu fico ali no Farol da Barra, junto com o pessoal que pega wind. Apareceram umas caras inteiramente novas. Um cara estendeu a toalha, deitou e dormiu o tempo todo. Nunca tinha visto isso.


Os moradores de Ipanema sugerem que a Padron faça seus pontos no Jardim de Alá, na Praça General Osório, na Henrique Dumont, na Epitácio Pessoal, locais mais amplos, onde não causam qualquer dano ao fluxo do trânsito. E que a polícia, o 19º Batalhão, dê blitzen constantes no bairro. Eles acham que, se continuar do jeito que está, Ipanema no verão vai ser notícia não pelo biquíni enroladinho ou pelo sutiã exposto.


- No sábado um sujeito desses ônibus sentou em sua cadeirinha de praia dentro da minha loja para aproveitar o ar refrigerado, enquanto esperava a condução. Tive que chamar os seguranças da rua. Quando chegou na segunda-feira fui abrir os cadeados da porta e não consegui. Os farofeiros tinham entupido tudo com areia e papel. Precisei serrar. (Dono de uma sofisticada loja de decoração na Visconde de Pirajá, que não se identifica com medo de represálias).


- São grupos enormes, sempre gritando, fazendo bagunça e puxando os cordões de quem passa. Estão criando um cenário de vandalismo e terror. Os moradores por aqui estão assustados. (César Santos Silva, Chaika).


- Os passageiros na fila ficam olhando aqui para dentro de um jeito mal-encarado. As freguesas comentam com a gente: "Que horror!" No outro dia tinha um mal-encarado que ficou no ponto um tempão, sem pegar os ônibus. Como estava com a mão enrolada pensamos até que tivesse uma arma dentro. Chamamos a policia. Viver nesse clima não dá. Essa é a rua das melhores boutiques do Rio. Onde é que estavam com a cabeça quando botaram um ponto de ônibus suburbano aqui? (Cristina Campos, vendedora da Spy and Great, em frente ao ponto da Garcia D`Ávila).


***

Os depoimentos se sucedem, falam de churrasqueiras na praia, de bóias de pneus, do trânsito emperrado atrás das enormes traseiras dos Padron. Para que tudo melhore há tanto os que sugerem a mudança dos pontos, a retirada dos ônibus, mais polícia nas ruas, assim como mais educação. Mas pedem pressa. Pois o verão está aí e antes dele o Natal, mês que vem.

- A gente paga imposto tão caro para eles botarem essa pobreza na porta da gente. parece até a Central do Brasil. De vez em quando a gente passa por eles e grita "Japeri". Eles ficam chateados. (Ronaldo Mocdes, artista plástico).


- Fica essa negrinhagem aí na porta... (Cristina Campos, vendedora da Spy and Great).


- Quem tem um nível melhor já está procurando outra praia que não seja Ipanema. Eles não têm classe, não têm educação. Eu sei que a praia é pública, mas é horrível. No outro dia eu estava na praia conversando com a minha irmã, dizendo como os suburbanos são horríveis. Uma suburbana reclamou, mas eu nem dei conversa. Vê se eu vou me misturar. (Sonia Barletta, moradora da Rua Vinicius de Moraes).


- Eles têm direito de ir à praia, mas podem ir de maneira organizada. Ou senão ficar na praia deles, em ramos. O governo podia fazer também um lago artificial pra eles lá no subúrbio (Maria Luiza Nunes dos Santos, vendedora da Faganello).


- O turismo vai ser prejudicado, você vai ver. Ou você acha que o pessoal do Caesar Park vai querer se misturar com eles, suas bananas, piquenique. Pode parecer elitista, mas não é não. os suburbanos atrapalham. (Débora Palmério Fraga, gerente da Faganello).


- É o fim da picada, Ipanema acabou. Na praia ficam agora uns homens gordos passando bronzeador na barriga branca, aquelas cenas de amor de suburbano. Na minha porta é trocador assobiando, uma multidão sempre, gente feia mesmo. Não dá nem pra sair mais com os meus cachorros. (Ronald Mocdes, artista plástico, acariciando seus cachorros da raça Saluky, de nomes Tramp e Chivas).


- Au, au, au. (Tramp e Chivas).


Joaquim Ferreira dos Santos. Nuvens suburbanas sob o sol de Ipanema (A que já foi paraíso). JB, 4 de novembro de 1984

(*) N. do B: Acho que não "desacostumada" a palavra, mas a cópia veio apagada.