segunda-feira, setembro 25, 2006
sábado, setembro 23, 2006
terça-feira, setembro 05, 2006
Canção da volta
Chegar ao Rio. É como entrar no meio da festa de um cara que você não conhece, sem saber se está no começo, no meio ou no fim. Daí a gente tem que beber muito e rápido pra ficar por dentro. E sair procurando pelos cantos onde estão as pessoas mais interessantes, quer dizer: os amigos. Aqui as pessoas fumam os cigarros chamados "comerciais" (Marlboro, Benson & Hedges, Shelton), aqueles que só afetam os pulmões. Ali servem os "de arte", aqueles que dá pra gente ver a Capela Sistina no teto do apartamento da Barata Ribeiro. As pessoas mais exaltadas conversam (brigam?) em torno da geladeira, do balde de gelo ou perto da área de serviço. Não sei por que, mas é assim. Eu acho sempre que vai todo mundo sair na mão. Impressão apenas. É a chama da comunicação. Falar nisso: comunicação substitui, atualmente, validez e contexto. Ano que vem, quando eu voltar, a palavra, com toda certeza, será estruturação, estruturar.
Cada relógio de cada pessoa dá uma hora diferente. As moças dão simplesmente. Umas não sabem se vão para a capa das revistas ou para a cama do Tarso de Castro. Aquele camarada que me cotuca na barriga e diz que precisa muito me ver, muito me ver (um tipo de sujeito que diz tudo duas vezes).
Bicha não tem mais nada a ver com o "amor que não ousa dizer seu nome". Virou uma espécie de segredo, a condição de quem foi a todas as festas, sabe de tudo mas não leva jeito para começar a contar. Os primitivos abundam. O Brasil é o único país do mundo onde o primitivismo virou escola de pintura.
A sem-vergonhice é total.
Tarso de Castro não tem a menor vergonha de ter lido J. G. de Araújo Jorge. Paulo Francis não tem vergonha de ter carro com chofer (o motorista do Paulo Francis não tem vergonha de ser assinante do New Republic). Jaguar não tem vergonha de saber o caminho para Ouro Preto e esquecer a mão da Siqueira Campos. César Thedim não tem vergonha de chegar para Tônia e dizer: "Macbeth!" Tônia Carrero não tem vergonha de responder: "É Simonal!"
Maciel cava um "underground" para lá no fundo encontrar um rato branco cantando o último sucesso da Venezuela.
Há cada vez mais cantores sem sobrenome. Como se procurassem não envergonhar o pai, a mãe, tios e avós. Há cada vez mais acrílico, cada vez mais fórmica, mais agências bancárias, mais uísques nacionais, mais contrabandistas legítimos, mais livrarias que ficam abertas até meia-noite. Há mais botequins que progresso, mais poetas inéditos que ordem.
No primeiro capítulo da telenovela Assim na Terra Como no Céu (cuidado que já há uma peça com esse título), uma mistura de Easy Rider com La Bohème, o Jardel Filho, que é para ser uma espécie de playboy (ou Claybom, não entendi direito) recebe um telefonema internacional de Roma, vira-se para o lado e diz: "É o chato do Antonioni querendo me contar o enredo de seu último filme!" Na mesma novela, quatro representantes da geração que se costumava chamar perdida, para deixarem bem claro o grau de sua degradação moral aparecem deslizando lá no Tobogã da Lagoa.
Falar nisso: o Tobogã da Lagoa é a única prova concreta da dissipação moral do que me diziam haver no Rio. Deve ser aquela cocegazinha que dá lá atrás. Além disso, mais pobre que deslizar no Tobogã aos domingos, só mesmo as pessoas que vão ver os outros deslizarem. Me lembra aquele troço que diziam quando garoto: "Por que você não vai roçar o asterisco nas ostras?" É exatamente o que eles estão fazendo.
O seio da família brasileira tem um bicão roxo e duro. As pessoas de olhos e nariz vermelhos correm o risco de passarem por subversivas. Há um excesso de bandeiras em todas as partes. Já no Flag ninguém dá bandeira. Todo mundo malocou sua dignidade e puxa um cigarrinho excelente para a asma. A maior parte dos amigos assina uma coluna ou artigo: do lado, invisível, sente-se a palavra "interino". Ninguém segura o Brasil. Agora pegar na mão pode. A Transamazônica será o primeiro passo para a integração nacional. O segundo passo será aquele que Kierkegaard deu no escuro. Tudo é no aumentativo: Mengão, Britão, calçadão - porque aí fica maior, melhor e mais forte. Duas gírias que eu não conhecia: grilar e careta.
Às 11 horas da manhã, quando todos os homens de mal ainda não foram dormir, e a cidade ameaça dizer seu nome em voz alta, nós ainda estamos de pé. A horrenda dignidade de estar barbado, cheirando mal e com a roupa de ontem. Muitos loucos, muitos doidões, nada nos grila.
Eu já vi esse filme antes e nós todos morríamos no fim.
Ivan Lessa. Pasquim n. 57. Julho 1970.
Cada relógio de cada pessoa dá uma hora diferente. As moças dão simplesmente. Umas não sabem se vão para a capa das revistas ou para a cama do Tarso de Castro. Aquele camarada que me cotuca na barriga e diz que precisa muito me ver, muito me ver (um tipo de sujeito que diz tudo duas vezes).
Bicha não tem mais nada a ver com o "amor que não ousa dizer seu nome". Virou uma espécie de segredo, a condição de quem foi a todas as festas, sabe de tudo mas não leva jeito para começar a contar. Os primitivos abundam. O Brasil é o único país do mundo onde o primitivismo virou escola de pintura.
A sem-vergonhice é total.
Tarso de Castro não tem a menor vergonha de ter lido J. G. de Araújo Jorge. Paulo Francis não tem vergonha de ter carro com chofer (o motorista do Paulo Francis não tem vergonha de ser assinante do New Republic). Jaguar não tem vergonha de saber o caminho para Ouro Preto e esquecer a mão da Siqueira Campos. César Thedim não tem vergonha de chegar para Tônia e dizer: "Macbeth!" Tônia Carrero não tem vergonha de responder: "É Simonal!"
Maciel cava um "underground" para lá no fundo encontrar um rato branco cantando o último sucesso da Venezuela.
Há cada vez mais cantores sem sobrenome. Como se procurassem não envergonhar o pai, a mãe, tios e avós. Há cada vez mais acrílico, cada vez mais fórmica, mais agências bancárias, mais uísques nacionais, mais contrabandistas legítimos, mais livrarias que ficam abertas até meia-noite. Há mais botequins que progresso, mais poetas inéditos que ordem.
No primeiro capítulo da telenovela Assim na Terra Como no Céu (cuidado que já há uma peça com esse título), uma mistura de Easy Rider com La Bohème, o Jardel Filho, que é para ser uma espécie de playboy (ou Claybom, não entendi direito) recebe um telefonema internacional de Roma, vira-se para o lado e diz: "É o chato do Antonioni querendo me contar o enredo de seu último filme!" Na mesma novela, quatro representantes da geração que se costumava chamar perdida, para deixarem bem claro o grau de sua degradação moral aparecem deslizando lá no Tobogã da Lagoa.
Falar nisso: o Tobogã da Lagoa é a única prova concreta da dissipação moral do que me diziam haver no Rio. Deve ser aquela cocegazinha que dá lá atrás. Além disso, mais pobre que deslizar no Tobogã aos domingos, só mesmo as pessoas que vão ver os outros deslizarem. Me lembra aquele troço que diziam quando garoto: "Por que você não vai roçar o asterisco nas ostras?" É exatamente o que eles estão fazendo.
O seio da família brasileira tem um bicão roxo e duro. As pessoas de olhos e nariz vermelhos correm o risco de passarem por subversivas. Há um excesso de bandeiras em todas as partes. Já no Flag ninguém dá bandeira. Todo mundo malocou sua dignidade e puxa um cigarrinho excelente para a asma. A maior parte dos amigos assina uma coluna ou artigo: do lado, invisível, sente-se a palavra "interino". Ninguém segura o Brasil. Agora pegar na mão pode. A Transamazônica será o primeiro passo para a integração nacional. O segundo passo será aquele que Kierkegaard deu no escuro. Tudo é no aumentativo: Mengão, Britão, calçadão - porque aí fica maior, melhor e mais forte. Duas gírias que eu não conhecia: grilar e careta.
Às 11 horas da manhã, quando todos os homens de mal ainda não foram dormir, e a cidade ameaça dizer seu nome em voz alta, nós ainda estamos de pé. A horrenda dignidade de estar barbado, cheirando mal e com a roupa de ontem. Muitos loucos, muitos doidões, nada nos grila.
Eu já vi esse filme antes e nós todos morríamos no fim.
Ivan Lessa. Pasquim n. 57. Julho 1970.
sexta-feira, setembro 01, 2006
Baixo clero
Edir Macedo, o tio boa-praça
A discussão política come solta no cafezinho:
Contínuo: Aquela juíza... Sei não... É estranha.
Serviços-gerais: Vou votar nela.
C: Pessoal do Trivela disse que ela não é cristã.
S: É o quê, então?
C: Sei lá... Diz que gosta de uns negócios aí...
S: (prevendo a resposta) Do quê?
C: De mulher.
S: Então... Gosta do mesmo que a gente! Tem que votar é nela!!!
C: (falando pra dentro) Vou votar pro Trivela.
(Enviado pela amiga e leitora charlielima)