dois perdidos numa noite suja

terça-feira, maio 30, 2006

Enquanto a criança não rola

No texto Almas da galera, o escritor João Antônio identifica um botequim xexelento em Copacabana - na Domingos Ferreira, para ser exato - onde ele jamais conseguiu meter os pés sem que ouvisse "uma discussão brava, desregrada, enfezada, gritada e, de ordinário, furiosa sobre futebol". Um lugar dos mais desagradáveis, pois não? Botequim só é bom enquanto o papo não descamba para o futebol, e fica-se quieto, encostado ao balcão, vendo o desfile lá fora dos loucos perigosos e mansos, cahorros vira-latas de cara triste e rabo abanando, e vênus calipígias que vêm dos subúrbios da Leopoldina.

Pois agora, às vésperas da Copa do Mundo, andando pela cidade, sinto falta de um lugar como esse descoberto por João Antônio. A atual Seleção está longe de provocar discussões furiosas. Muito pelo contrário. É um tédio. Sabe-se de cor e salteado o time que Parreira pretende escalar na partida contra a Croácia, nossa estréia no Mundial. Poucos são - até entre os jogadores que estão na reserva, em tese os principais interessados - os que contestam o time. Tirante as crianças, os bebuns e as marias-chuteiras (pois é, lá também tem), que lotam os arredores do hotel em Weggis, ninguém mais se diverte ou tem interesse nessa chatíssima fase de concentração, treinos (no coletivo de ontem um jogador sub-20 do Fluminense ganhou uma bolada na cara e, feliz da vida, cumprimentou Juninho Pernambucano) e amistosos sem valor nenhum.

Talvez percebendo isso, Ronaldinho Gaúcho deu para fazer acrobacias de circo com a bola colada a seus pés. Menos, garoto, menos. Mais cacete somente as mesas redondas na televisão a cabo, cujos participantes gastam horas de satélite contabilizando quantas línguas serão faladas na Copa, para no fim chegar à conclusão de que se trata de uma nova Torre de Babel.


(Alvaro Costa e Silva. JB, 29/5)

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