dois perdidos numa noite suja

domingo, julho 02, 2006

Jornalismo-verdade

Sozinha, garota clama por gols inexistentes e agora suspira pela Itália

XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

Amigo torcedor, amigo secador, a "belle de jour" do centrão de SP, a nossa dublê da bela da tarde, não acreditava no futebol tão triste e feio que testemunhava sozinha, longe da histeria coletiva dos telões e das ruas, como representasse na frieza de ontem a pátria recolhida, a pátria lesada, os Tristes Trópicos em chuteiras, a pátria entregue de rouge e batom ao capricho francês. Ela nunca leu Paulo Prado, mas parecia dizer, com as sobrancelhas, sete palavras fatais: "Numa terra radiosa, vive um povo triste".

É lá naquela cama do hotel Metrópolis, ali com vista para o antijardim suspenso do elevado Costa e Silva, o Minhocão, arquitetura da destruição que enfeia a cidade babilônica como se um Niemeyer fosse um dia capaz de virar um Parreira, que a professora de inglês doravante denominada Danielle Souza, 23, comete as suas aventuras na pele de garota de programa. Lá, viu vários jogos, secou argentinos e alemães, vibrou com os "bonitões" da Itália, seus prediletos em se tratando de cosmética da bola. Na tarde fatídica de ontem, nenhum homem ao seu lado, quer dizer, só este cronista e o fotógrafo Jorge Araújo, com o distanciamento afetivo que pedia o tema.

"Um chute pelo amor de Deus", clamava a Belle de Jour ao deus Narciso, o espelho gigante que dividia seus olhos de ressaca -"ontem bebi demais!"- com a TV de 14 polegadas que resumia a tragédia à sua frente. A tela era grande demais para o futebol vira-lata dos brasileiros. Nem um homem apareceu no mundo de Danielle ontem. A pátria em chuteiras é bem família. A nossa bela era um raríssimo exemplo de quem vê o escrete da forma mais solitária. Na tarde gelada dos Tristes Trópicos até o mendigo "Sozinho", como se autodenomina nas suas placas de papelão, o pedinte ali da Frei Caneca com a Caio Prado, correu para o bar da esquina.

Não havia sequer um solitário a testemunhar a tragédia sozinho nem mesmo no edifício Copan, esta ilha concreta que bem poderia ser batizada de Carençolândia. Havíamos acertado, na manhã de ontem, previdente que somos, para ver o jogo com pelo menos seis solitários do prédio-cidade. Todos sucumbiram à tentação de homens cordiais e fugiram para bares ou lares repletos de outros brasileiros.

Na Copa, bate carência equivalente ou maior que o Natal e Ano Novo. "Desculpe, tiozinho, fiquei triste, vou ver com uns perdidos da praça Roosevelt", diz o travesti Joanna, borrado de verde-amarelo, mas sem esconder o pressentimento à Pelé: "Belle de jour c'est moi (bela da tarde sou eu), sinto o cheiro de sempre aqui no centro, aqui no Brasil, o cheiro de merda!".

E a pátria em chuteiras, velho Gilberto Vasconcellos, sucumbiu à síndrome de Caramuru, entregou suas Paraguaçus de mãos-beijadas, oui, oui, sim, sim!

2 Comments:

  • Eu sou Itália desde criancinha.. ou pelo menos depois de observar o desempenho de Luca Toni ou Francesco Totti :)

    By Anonymous Anônimo, at 4/7/06 14:00  

  • há, há, há...

    São Paulo é feia, mesmo!

    mas o Rio também é horroroso!
    cidadezinha que está conseguindo estragar inteiramente tanta beleza natural...

    By Anonymous Anônimo, at 27/7/09 15:52  

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