dois perdidos numa noite suja

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Vocação do poder

Paulo Batelli


Neguinho, vai bolar

CartaCapital 340 - 04/05/2005

A sexta-feira de MC Geléia, rapper e ativista político do subúrbio carioca de Anchieta, começou com um impasse. Às 10h de um dos dias mais quentes do ano, a diretora da Escola Municipal Lúcio de Mendonça, onde ele falaria com crianças da 4ª série, cismou em barrar sua entrada com o repórter.

— Ele é representante da mídia — acusava, insensível aos apelos pela liberdade de imprensa. — São ordens da secretaria, posso ser exonerada.

Dez minutos depois, repórter de fora, Geléia conseguiu atravessar o portão de ferro para conversar com os estudantes. O tema era o documentário Vocação do Poder, do qual ele participa com outros cincocandidatos de primeira viagem à Câmara Municipal, mas o papo acabou se transformando num baile funk a capela. Quando soou o sinal das 11h45, os professores já tinham desistido de prender seus alunos nas salas vizinhas, e mais de cem crianças entoavam o refrão de Qual é a Boa, primeiro sucesso do astro local:

— Neguinhooooooooooo, vai bolaaaaar!

Antes do funk, Geléia era Alexsandro Vieira Martins e ganhava um salário mínimo como office-boy numa confecção. Em outubro passado, tentou a vaga na chamada Gaiola de Ouro pelo PV. Passaria despercebido, não fossem as câmeras de Eduardo Escorel e José Joffily. O rapper suburbano teve apenas 2.218 votos, o pior resultado entre os personagens do filme, que oferece um resumo do baixo clero carioca: a pastora evangélica, o clientelista convicto, o herdeiro político, o executivo bem-nascido, o intelectual de esquerda. Além do porte físico (1,97m e 108 kg) e das roupas extravagantes, o rapper atraiu os cineastas com um discurso que mescla dose industrial de gírias atraços de crítica social.

— Vou te dar um papo: quem é mais bandido, Beira-Mar ou Sergio Naya? — provoca, antes de marcar a segunda opção. — O Naya estudou antes deroubar e matar um monte de gente, tá ligado?

A falta de recursos para a campanha é a justificativa para o mau desempenho nas urnas. Não se faz política "sem grana e sem padrinho", argumenta o rapper, que improvisou para se comunicar com o eleitorado:

— Consegui um carro velho com alto-falantes, tive apoio de equipes de funk e corri de porta em porta em busca de votos. Como não podia encomendar santinhos, escrevia meu número em cadernos dos amigos — conta, reproduzindo a operação com o bloco e a bic do interlocutor.

O comportamento "histriônico", como define Joffily, já rendeu um bom susto a Priscila Nunes, de 17 anos, que trabalha como balconista na papelaria da mãe. Durante a campanha, o rapper aproveitou sua distração para anunciar um falso assalto. Antes de a menina reconhecer sua voz, ele caiu na gargalhada.

— Por causa dessas coisas, todo mundo levou a candidatura dele na brincadeira, sem saber se era pra votar mesmo — conta Priscila, que ainda não tirou título de eleitor e, se pudesse, não iria às urnas em 2006.

Sua mãe, Selma, só não votou em Geléia porque tem domicílio eleitoralem Nilópolis, município da Baixada Fluminense vizinho a Anchieta.

— A gente precisa dar uma chance às pessoas que vêm de baixo — justifica.

O estilo que pode ter tirado votos fez de Geléia a estrela da première de Vocação do Poder, que reuniu boa parte da elite cinematográfica carioca no CCBB para a abertura do festival É Tudo Verdade. Quase todas as cenas do rapper — inclusive um desabafo no palanque contra a indiferença da Zona Sul com os favelados — foram interrompidas por aplausos. Quando as luzes se acenderam, Geléia estava cercado de novos fãs.

— Não sei se fui o centro das atenções pelo discurso ou se fiz o papelde bobo da corte — reconhece.

Depois da aventura eleitoral, ele voltou à rotina em Anchieta, onde os moto-táxis avançam sobre praças para cortar caminho e as mulheres usam o guarda-chuva para se protegerem do sol enquanto levam os filhos à escola. É um típico bairro-dormitório, que fica vazio durante o horário de trabalho e batiza a oitava estação do trem de Japeri, a 40minutos da Central do Brasil.

Quando precisa ir ao centro, Geléia divide espaço com vendedores de bala, bananada, amendoim e utensílios domésticos de até R$ 1. Do lado de fora, na pintura de alguns vagões,uma corretora promete o dinheiro que faltou na campanha, "fácil" e "sem comprovação de renda".

Além da pobreza, Anchieta sofre com a violência e a opressão do tráfico. No documentário, o próprio rapper pede à equipe para cancelar as gravações num dia em a morte de um morador provocou tiroteio entre traficantes e a polícia: "Teve troca-troca. O bagulho aí é doidão", avisa.

O bairro que esnobou a vocação política de Geléia continua generoso com o deputado estadual Jorge Picciani (PMDB), presidente da Assembléia Legislativa e aliado da governadora Rosinha Matheus. Picciani se mudou para o Condomínio das Mansões, na Barra da Tijuca, mas continua influente na região. Na eleição do ano passado, seu afilhado local, Professor Uoston (PMDB), perdeu a cadeira por pouco. Patrocinador de um centro social que prospera com a ausência de hospitais e postos de saúde no bairro, ele teve 18 mil votos — nove vezes mais do que Geléia. Alguns de seus cartazes de campanha ainda resistem, amarelados, em prédios vizinhos à linha do trem.

MC Geléia reclama da concorrência desleal e da falta de compreensãocom algumas de suas bandeiras, como o apoio a ex-presidiários ("como querem diminuir a criminalidade sem arrumar emprego para eles?"). O rapper se julga vítima de preconceito dos eleitores:

— As pessoas acham que político tem que ser rico, intelectual. Não votaram no Geléia, que era igual a elas.

Joffily admite a hipótese ("talvez preferissem um engravatado mesmo"), mas prefere enfocar a decadência do sistema representativo. De acordo com ele, apenas uma em cada 10 pessoas entrevistadas para o filme lembrava o voto de quatro anos atrás.

— A escolha do vereador é vista como secundária. O programa eleitoral é patético, a imprensa não dá bola nenhuma. É como se a eleição não ocorresse – critica.

Apesar da desilusão com as urnas, Geléia pretende insistir na carreira política. Enquanto espera a próxima chance, aposta no projeto da ONG Cidadão Funkeiro, com colegas como MC Samuca, Duda do Borel, Sabrina da Providência e Sapão do Complexo (do Alemão). O aliado mais conhecido é Mr. Catra, que criou polêmica com seus raps "proibidões", acusados de apologia ao crime e ao uso de armas. Em defesa do amigo,Geléia cita o bordão de Som de Preto, da dupla Almickar e Chocolate: "É som de preto, de favelado/ mas quando toca, ninguém fica parado".

— A sociedade é hipócrita. Dizem que o funk está do lado do tráfico,mas na verdade querem calar a voz da favela.

"Lutar contra a desunião dos rappers" é o objetivo principal, mas ele também espera usar a ONG para atender jovens das comunidades pobres do Rio. O plano: revelar novos talentos para o funk, incentivar o estudoe ajudar na prevenção contra doenças sexualmente transmissíveis. Para cumprir as promessas, Geléia sonha com o apoio do ministro da Cultura, Gilberto Gil.

— Ele também é músico. Quero uma oportunidade para apresentar meus projetos.

6 Comments:

  • Se a midia fosse representada sempre assim, nos estariamos bem na fita.

    a diretora da escola merece um exemplar da revista para colocar na biblioteca, ou quem sabe mandar para a secretaria.

    By Anonymous Anônimo, at 9/12/05 12:20  

  • Mais uma do Ultraje a Rigor:

    "Eu me amo, eu me amo, eu amo, ôôô, não posso mais viver sem mim".

    By Anonymous Anônimo, at 9/12/05 13:52  

  • Que coisa feita, autopromoção com matéria antiga. Pelo menos é uma boa matéria...

    By Anonymous Anônimo, at 11/12/05 21:11  

  • não é promoção, é informação. o babmino é gente nostra

    By Anonymous Anônimo, at 12/12/05 14:08  

  • bambino

    By Anonymous Anônimo, at 12/12/05 14:08  

  • mc geleía,o mundo precisa dessa suavocaçao,atitude,alegria vamos pra cima,deles aducaçao as crianças respeito ao mas velhos e nunca esqueçer da nossa raiz anchieta vai com fé mano abraço tms juntos sempre.

    By Blogger duda luiz, at 15/9/10 13:54  

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