Automóveis
Graças ao automóvel a paisagem morreu - a paisagem, as árvores, as cascatas, os trechos bonitos da natureza. Passamos como um raio, de olhos enfumaçados por causa da poeira. Não vemos as árvores. São as árvores que olham para nós com inveja. Assim o automóvel acabou com aquela modesta felicidade nossa de bater palma aos trechos de floresta e mostrar ao estrangeiro la naturaleza. Não temos mais la naturaleza, o Corcovado, o Pão de Açúcar, as grandes árvores, porque não as vemos. A natureza recolhe-se humilhada. Em compensação temos palácios, altos palácios nascidos no fumo de gasolina dos primeiros automóveis e a febre do grande devora-nos. Febre insopitável e benfazeja! não se lhe pode resistir. Quando os novos governos começam, com medo de perder a cabeça, logo no começo ministros e altas autoridades dizem sempre:
- Precisamos fazer economias.
Como? Cortando orçamentos? Reduzindo o pessoal? Fechando as secretarias? Diminuindo vencimentos?
Não. O primeiro momento é de susto. As autoridades dizem apenas:
- Vamos vender os automóveis.
Mas logo altas autoridades e funcionários sentem-se afastados, sentem-se recuados, têm a sensação penosa de um Rio incompreensível, de um Rio anterior ao automóvel, em que eram precisos meses para realizar alguma coisa e horas para ir de um ponto a outro da cidade. E então o ministro, mesmo o mais retrógrado e velho, revoga as economias e murmura:
- Vão buscar o automóvel!
João do Rio. A Notícia, 21/6/1908
1 Comments:
E assim (des)caminha a humanidade.
By Márcio Rezende, at 7/2/07 12:50
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