dois perdidos numa noite suja

sábado, junho 23, 2007

Matérias nunca publicadas - Cap. XXVII


Rogéria, a decana do travequismo brasileiro

BRASÍLIA. A troca de um nú-
mero num anúncio de letras
miúdas custou caro ao jornal
"O Pioneiro", de Caxias do
Sul (RS). Escondida no ca-
derno de classificados encar-
tado na edição de 11 de no-
vembro de 2004, a nota que
motivou a discórdia anuncia-
va os serviços de "Trav. Sati-
ne, com experiência para
realizar suas fantasias". Mas
o telefone era de uma costu-
reira da serra gaúcha, casa-
da e mãe de duas adolescen-
tes. Depois de muitas liga-
ções na madrugada, ela con-
tratou um escritório de ad-
vocacia especializado em pe-
didos de indenização por da-
nos morais. Ontem, o Supe-
rior Tribunal de Justiça (STJ)
rejeitou recurso do diário,
que terá que desembolsar R$
11.400 para reparar os trans-
tornos sofridos pela costu-
reira.

"A indenização deve ter con-
teúdo didático, de modo a
coibir reincidência do causa-
dor do dano", sentenciou o
ministro Humberto Gomes
de Barros, responsável pelo
caso.

Depois da publicação do te-
lefone de casa, a costureira
— que teve a identidade pre-
servada pelo tribunal — pas-
sou a ser acordada por tele-
fonemas de homens soltei-
ros e casados. Empolgados
com a promessa contida nas
oito palavras do anúncio,
eles se recusavam a acredi-
tar que o jornal havia se en-
ganado. "Você está é com ou-
tro!", protestou aos gritos
um dos clientes frustrados,
segundo relato do responsá-
vel pela ação, o advogado
Irevaldo Concer.

A costureira conta que as li-
gações começaram poucas
horas depois de o jornal che-
gar às bancas, e se prolonga-
ram por mais cinco dias. Ela
ordenou que as filhas se afas-
tassem do telefone, mas
manteve o aparelho ligado à
espera das encomendas ha-
bituais de serviços de corte
e costura. Além de propostas
indecorosas, teve que ouvir
ofensas de leitores incomo-
dados com a presença de tra-
vestis na cidade.

Ajuizada duas semanas após
a publicação do anúncio, a
ação original cobrava indeni-
zação de 50 salários míni-
mos, que hoje corresponde-
riam a R$ 19.000. Depois de
ouvir as testemunhas, a Jus-
tiça concluiu que o digitador
de classificados havia se en-
ganado, e determinou o pa-
gamento de 30 salários. Do-
no do título, o grupo RBS-Ze-
ro Hora recorreu da decisão,
mantida pelo Tribunal de
Justiça gaúcho. Os advoga-
dos da empresa não foram
localizados para informar se
tentarão reduzir a pena em
novo recurso.

A costureira mudou de ende-
reço, mas ainda recebe enco-
mendas no mesmo telefone.
Anunciante há muito anos, o
travesti Sadine não quis pro-
cessar o jornal pelo engano.